ESCREVER É ECOAR: os diálogos entre os textos
Olá, leitores! Que bom encontrar vocês mais uma vez nesse nosso cantinho de palavras que pulsam, se misturam, se olham nos olhos. ✨📎 Hoje o papo é sobre algo que está em todo texto, mas que a gente nem sempre vê: os vestígios do outro que vivem na nossa produção. Ou, nas palavras do pesquisador Charles Bazerman (2021), a intertextualidade.
Sim, isso mesmo:
texto nenhum caminha sozinho. E quem escreve nunca escreve do zero. Tem sempre um eco, uma memória, uma resposta
atravessando a página.
🎙️
Tudo já foi dito, mas não do seu jeito
Você já ouviu alguém
dizer que “nada se cria, tudo se copia”? Pois é. Não é bem assim. Na verdade, nada se cria sozinho. Toda vez que a gente produz, a gente conversa
com outros textos, mesmo sem percebermos. Isso é intertextualidade: o modo como os textos se apoiam em outros textos
pra existir. E não, isso não é plágio, é construção. É diálogo. É
trama. É texto.
📌 Bazerman explica: texto é resposta
Charles Bazerman,
um dos nomes mais importantes nos estudos sobre escrita, nos lembra que todo texto é uma resposta a algo, e um convite
para novas respostas.
Escrevemos porque
algo nos provocou. E, ao escrever, provocamos também. É tipo conversa de grupo
do WhatsApp: alguém solta uma, outro rebate, um terceiro manda um sticker e, de
repente, nasceu um discurso coletivo.
✍️
Como isso acontece?
Citação
direta: É quando você traz a fala do outro com aspas, nome, sobrenome e tudo. Um trecho
entre colchetes, com crédito declarado. É o modo mais direto de colocar outra
voz na sua escrita. Bazerman chamaria isso de intertextualidade explícita, aquele tipo que ninguém pode
negar.
Imagem 1:
Paráfrase: Você não copia, mas reconta. Pega a ideia do outro, diz com suas palavras, ajusta ao seu tom. A ideia é de fora, mas a forma já é sua. Aqui, o diálogo é mais sutil, mas ainda assim presente.
Imagem 2:
Na mitologia, os gregos ofereceram um enorme cavalo de madeira como presente aos troianos, que o aceitaram sem perceber que dentro dele estavam soldados inimigos. Ao entrarem na cidade, os gregos atacaram e venceram a guerra. Na charge, o “presente” anunciado pelo governo(a reforma trabalhista) é representado pelo cavalo com os dizeres “fim dos direitos”, sugerindo que, por trás da promessa de benefício ao trabalhador, esconde-se um prejuízo. A fala do personagem “É presente de grego!” evidencia esse jogo de sentidos. Assim, só é possível compreender plenamente a crítica se o leitor negociar os sentidos e identificar a intertextualidade com a narrativa clássica, percebendo como a história antiga é reativada para denunciar estratégias políticas atuais que, sob a aparência de generosidade, ocultam danos.
Comentário ou avaliação:
Estilo ou terminologia compartilhada:
“Interdiscurso”:
OBS.: Bazerman não usa o termo “Interdiscurso” (que
vem da tradição da Análise do Discurso, especialmente francesa), ele trabalha
com um conceito próximo: todo texto é
situado em práticas sociais, e carrega valores e discursos compartilhados
de um campo, instituição ou ideologia. Foi um grifo meu, ok? Não esqueçam que
fiquei de dialogar com a minha área sempre que possível!
🖇️
O texto é feito de “colagens”, e isso é
potência!!!
Segundo Bazerman, reconhecer essas vozes dentro do texto é fundamental pra entender o que ele diz, como diz e a serviço de quem. Porque sim: tem intertextualidade que reforça discurso,– e tem intertextualidade que desestabiliza:
Um artigo científico se ancora em outros textos
pra construir autoridade.
Um meme se ancora
em outros discursos pra provocar riso (ou desconforto).
Uma campanha
publicitária se apoia em clichês pra nos convencer a comprar.
✏️
Escrever é se posicionar numa conversa em
andamento
Quando você escolhe
citar Paulo Freire e não Augusto Cury, quando usa uma referência de Rihanna e
não de Shakespeare, quando cola um trecho da Bíblia ou uma frase do Racionais, você
tá dizendo de que lado quer estar nessa conversa.
Bazerman nos ajuda
a entender que a intertextualidade é
também política (leitura minha, enviesadíssima, como tem que ser): ela
revela o que a gente lê, o que valoriza, quem escuta, e quem escolhe deixar de
fora.
📹 INTERTEXTUALIDADE EM VÍDEOS: UMA ANÁLISE
DIÁLOGOS
ENTRE O APOLLO 11 (1969) E O COMERCIAL DA AUDI (2016)
Imagem 4:
Disponível em: http://www.ubuzznow.com/blog/2016/2/4/audi-commander
🌕 Sobre a Apollo 11
(1969)
Foi a missão espacial da NASA que levou os primeiros seres
humanos à Lua: Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins.
Foi um marco tecnológico e simbólico da Guerra Fria.
Representou o auge da ousadia humana, da ciência e da
coragem.
Transmitido para o mundo inteiro com imagens históricas da
decolagem e da frase: "That's one small step for man, one giant leap for
mankind."
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l2o40vS66sQ
🚗 Sobre o comercial da
Audi (2016)
Mostra um ex-astronauta aposentado em estado melancólico e
apático (sugere-se, até mesmo, sintomas de demência/Alzheimer).
O filho lhe dá a chave de um Audi R8.
Ao dirigir o carro, o astronauta revive as emoções do
lançamento de um foguete, com trilha sonora de David Bowie
("Starman").
O carro é apresentado como algo tecnológico, veloz e
inspirador, comparável ao foguete da Apollo 11.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xWvvOsBKqTA
🔗 Como se dá esse
diálogo?
O comercial evoca diretamente o espírito da missão Apollo 11
ao retratar o protagonista como um ex-comandante espacial. Usa imagens e sons
que remetem ao lançamento da missão, com estética semelhante (luzes, traje,
contagem regressiva, aceleração).
O Audi R8 representa uma nova forma de tecnologia
visionária, como o foguete representava nos anos 60.
Há uma analogia entre o carro e a nave espacial, sugerindo
que o carro também é capaz de levar alguém a “novos mundos”, mesmo que
simbólicos.
🎸E a trilha sonora?
A música “Starman”, de David Bowie, carrega a temática
espacial e reforça o universo da corrida espacial, ampliando o campo simbólico.
Evoca a cultura pop em torno da
exploração espacial e do astronauta como ícone.
O comercial simula cenas de
decolagem, com botões, contagem regressiva, som de ignição e aceleração. O close
no rosto do astronauta remete ao famoso plano de Armstrong descendo da nave.
A intertextualidade entre a Apollo 11 e o comercial da Audi ocorre principalmente pela alusão simbólica, pela analogia entre tecnologia espacial e automobilística, e pelo resgate do imaginário heroico do astronauta. A Audi constrói uma narrativa que associa seu carro a uma experiência tão marcante quanto ir à Lua, mostrando que a tecnologia ainda pode emocionar, inspirar e levar o ser humano “além”.
DIÁLOGOS ENTRE UMA CENA DE "O GRANDE DITADOR" (1940), DE CHARLES CHAPLIN, E A ABERTURA DA NOVELA "O DONO DO MUNDO" (1991), DE GILBERTO BRAGA
Imagem 5:
Disponível em: https://tvhistoria.com.br/globo-gastou-fortuna-abertura-novela-tumultuada/
🎬 Cena da "bola do mundo", O Grande Ditador (1940)
O personagem Hynkel (uma sátira de Hitler) dança com um globo inflável, representando o planeta Terra. A cena é acompanhada por música clássica (Prelúdio de Lohengrin, de Wagner). Ele manipula o globo com leveza e prazer, como se tivesse o mundo em suas mãos. A brincadeira termina com o globo estourando, frustrando o delírio de dominação.
Crítica feroz à megalomania dos ditadores.
O mundo vira um brinquedo frágil nas mãos de um homem egóico.
Ironiza a relação entre o poder totalitário e o desejo de
controle absoluto.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sGBCsZJRcAI
📺 Abertura da novela O
Dono do Mundo (1991)
Elementos principais:
Foco em um "Dono do mundo", com os mesmos ares do ditador.
Imagens de olhar penetrante, mãos habilidosas.
No globo, há alusão ao mundo feminino ou à perfeição feminina.
Música: “Querida”, bossa de Tom Jobim, minimalista e
sensual, acentua o tom de controle, manipulação e poder masculino.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=06QC-rKrO0k&list=RD06QC-rKrO0k&start_radio=1
🔗 Diálogos intertextuais
entre as duas cenas:
O mundo como objeto
de desejo
Em O Grande Ditador, o globo literal é objeto de delírio,
brincadeira e frustração.
Em O Dono do Mundo, o “globo” é simbólico: o mundo como
território de domínio do protagonista, seja na cirurgia plástica, no amor ou no
poder social.
Figura do homem
narcisista e controlador
Hynkel dança com o mundo como se fosse seu.
O “dono do mundo” manipula corpos e sentimentos como um deus
moderno.
Ambos têm olhar centrado em si mesmos, indiferentes às
consequências.
Fragilidade do poder
O globo de Hynkel explode, revelando a ilusão do controle
absoluto.
A novela também desvela, ao longo dos episódios, a falência ética do personagem central, mostrando que o poder, quando desvinculado da moral, se torna destrutivo, embora, na abertura, a bolha não estoure. A cena da “bola do mundo” em O Grande Ditador e a abertura de O Dono do Mundo dialogam intensamente ao refletirem sobre o desejo de controle total, a vaidade masculina e os limites éticos do poder. Chaplin critica o autoritarismo com ironia visual; Gilberto Braga antecipa, com refinamento simbólico, a trajetória de um homem que se julga intocável, mas que também, como o ditador de Chaplin, verá sua “bola” (seu mundo) escapar das mãos.
💭
Pra pensar junto:
Quantos textos
moram dentro do seu texto?
Que frases você
carrega sem nem perceber?
Quem você escolhe
ecoar quando escreve, fala, compartilha?
Se texto é
resposta, o que você anda respondendo, e com quem anda falando?
Que essa postagem
te inspire a reler com mais atenção, a escrever com mais intenção, e a
reconhecer os rastros que fazem da linguagem esse tecido vivo e coletivo que
nos conecta, mesmo à distância.
Até o próximo post (que será o último). E se quiser continuar essa conversa (intertextual, claro), os comentários estão logo abaixo. 💬🖇️📎
RERERÊNCIAS:
BAZERMAN, Charles. Intertextualidade: como os textos se apoiam em outros textos. In: BAZERMAN, Charles; DIONISIO, Angela Paiva; HOFFNAGEL, Judith Chambliss (org.). Gênero, agência e escrita. 2. ed. Recife: Pipa Comunicação, Campina Grande: EDUFCG, 2021. v. 2, cap. 7, p. 135-161.
Parabéns! voce escreve muito bem.
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