CORES QUE FALAM: o cromático no cotidiano

Olá, leitores! Que bom ter vocês novamente aqui no Multiletras – esse nosso espaço onde a linguagem é observada e discutida, e hoje com uma pitada de cor. 🌈✨

No post anterior, nos divertimos analisando os GIFs e os sinais de pontuação como formas de expressão não verbal nas redes. Hoje, seguimos explorando os recursos que tornam nossa comunicação mais sensível e simbólica. Mas, desta vez, vamos além da linguagem verbal ou digital: mergulhamos no universo cromático e simbólico das cores. 💬🎨

Inspirados pelo artigo da BINUS International sobre os sentidos emocionais e culturais das cores, refletimos: será que o azul significa a mesma coisa para todos? Será que o branco é sempre pureza? O vermelho é só paixão ou raiva?

CORES: UMA LINGUAGEM CULTURAL

Tal como os emojis e os GIFs, as cores também falam. E falam muito. A diferença é que elas sussurram sentidos com base em histórias coletivas, memórias culturais e convenções que variam de país para país. O branco, por exemplo, pode ser pureza e paz em um casamento brasileiro, mas é cor de luto em cerimônias asiáticas.

Isso mostra que a percepção das cores não é universal, e sim cultural. Ou seja: o sentido das cores não está apenas no olho de quem vê, mas na cultura de quem sente. 👁🌍

CORES QUE COMUNICAM

Quando as cores falam (e mandam calar)

Em 2019, a então ministra Damares Alves declarou, com contundência: “Menino veste azul, menina veste rosa”. O enunciado viralizou – e não à toa. Em termos discursivos, o enunciado tenta estabilizar performances de gênero por meio da cor. Um gesto que se ancora numa matriz binária, patriarcal e normativa do corpo e da identidade.

Na perspectiva da Análise do Discurso (ADF) {Eu avisei que dialogaria com minha área de pesquisa sempre que possível, lembram?}, essa fala não é neutra: ela constitui um gesto de interpretação que se inscreve em um interdiscurso conservador, e opera na tentativa de fixar sentidos que já estão em disputa na sociedade. Ao afirmar que determinadas cores pertencem a determinados corpos, essa formulação ignora (e silencia) a pluralidade das subjetividades e a fluidez das identidades.

As cores, como os gêneros, são construções simbólicas. São performativas: não apenas representam algo, mas fazem esse algo acontecer – ou tentam fazer.

Cores, identidades e performance

No outro extremo do espectro, vemos hoje o crescimento da prática de definir uma paleta de cores pessoal/Profissisonal – um conjunto de tons que, supostamente, combinam com seu tom de pele, olhos e cabelo, com o objetivo de “valorizar a autoimagem”.

Apesar de parecer uma tendência estética inofensiva (e muitas vezes divertida), essa prática também tem implicações discursivas. Afinal, ao construir uma narrativa sobre “as cores que me representam”, o sujeito assume um lugar de enunciação sobre si – sobre sua aparência, sua identidade e até sua autoestima.

O que está em jogo aí é uma lógica de visibilidade e autoafirmação profundamente conectada à performatividade social do corpo. As “paletas” que nos são sugeridas – ou impostas –  passam também por filtros ideológicos: o que é “neutro”, o que “rejuvenesce”, o que “empodera”... Tudo isso é discursivamente regulado por padrões normativos de beleza e consumo.

Se você trabalha com design, moda, publicidade ou mesmo escreve nas redes com intenção expressiva, vale o alerta: uma escolha cromática mal colocada pode mudar tudo. Uma campanha que usa preto em excesso, por exemplo, pode ser associada à morte e afastar consumidores. 😵💼

Por outro lado, saber ler as cores no contexto certo pode criar empatia, reconhecimento e até pertencimento. As cores participam, portanto, da construção visual que, junto da linguagem verbal, molda o espaço de enunciação e o ethos do sujeito.

Um bom exemplo disso é o caso da influenciadora Boca Rosa (Bianca Andrade), que promoveu uma reformulação visual completa de sua marca. Deixando de lado o rosa vibrante que remetia à juventude e à estética "blogueirinha", ao "mundinho cor-de-rosa", adotou tons mais neutros – cinza, branco, preto, nude – para representar a nova fase da marca, agora mais "madura", "empreendedora" e "sofisticada". Aqui, a paleta de cores não é apenas estética: é argumentativa. Ela comunica uma mudança de posicionamento, de ethos e até de público-alvo.

                                                                              Imagem 1: 


Disponível em: https://astronave.com.br/marca-2/boca-rosa-apresenta-nova-identidade-visual/

Ou seja: tanto o rosa/Azul de Damares quanto o cinza da consultoria de imagem da Bianca Andrade operam no mesmo plano simbólico. Ambos tentam nos dizer o que devemos parecer – e, por tabela, quem devemos ser.

Para pensar (e ver) com mais cuidado

Cores não são só frequências visuais. Elas são signos carregados de história, cultura e poder. E, como todo signo, são disputadas. O vermelho pode ser revolução, amor ou tabu, dependendo do lugar em que é dito. O azul pode ser confiança ou opressão. O rosa pode ser prisão ou libertação.

Por isso, antes de repetir que "tal cor combina com você", vale perguntar: quem disse isso? A quem essa combinação serve? E o que ela silencia?

Mais do que estética, cor é discurso. É por isso que o azul da ONU não é o mesmo azul do Twitter, nem o vermelho do Natal é igual ao da revolução. Cada tonalidade carrega uma história, uma emoção, uma identidade.

E você? Já pensou no que está comunicando com as cores ao seu redor? Será que o seu look de hoje tá mais “celebração asiática” ou “drama europeu”? 😅

PARA FECHAR: EU E A XUXA 😄🎶

E já que falamos de cores, de identidade e de sentidos plurais... não posso encerrar esse post sem mencionar a verdadeira autoridade cromática da minha infância: Xuxa Meneghel. 💅👑

Sim, meus leitores, eu fecho mesmo é com “toda cor tem em si, uma luz, uma certa mania (...) emoções em forma de poesia” – como ensinava aquele clássico da nossa Rainha dos Baixinhos. 💖💚💛🧡

“Com o azul eu vou sentir tranquilidade
O laranja tem sabor de amizade
Com o verde eu tenho a esperança

Que existe em qualquer criança
E enfeitar o céu nas cores do amor
No
amarelo um sorriso
Pra iluminar feito o sol tem o seu lugar
Brilha dentro da gente
Violeta mais uma cor que já vai chegar
O vermelho pra completar meu arco-íris no ar”

Quem lembra?

No fim das contas, talvez seja isso: as cores que nos atravessam não vêm só da teoria da comunicação visual ou da semiótica aplicada, vêm também da memória afetiva, daquilo que nos marcou quando a gente ainda não sabia o que era “paleta de branding”. 

E tá tudo bem. 🌈

Talvez a minha criança interior dos anos 2000 só queira mesmo um arco-íris e menos cores que comuniquem "competência" ✨💫

 Gif 1: Xou da Xuxa


Disponível em: https://tenor.com/pt-BR/view/xuxa-gif-12222143027607667615 

REFERÊNCIA:

CROSS-CULTURAL Emotion and Symbolic Meanings of Color. BINUS International, 2022. Disponível em: https://international.binus.ac.id/graphic-design/2022/02/02/cross-cultural-emotion-and-symbolic-meanings-of-color. Acesso em: 14 mai. 2025.

 

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