QUANDO FALAR É AGIR: a teoria dos atos de fala e a linguagem em uso

 Olá, leitores, sejam bem-vindos a segunda postagem do MultiletrasReforçando o que foi dito no post inaugural, este espaço nasceu para refletirmos sobre os múltiplos modos de produção de sentido na linguagem, e é com entusiasmo que seguimos nossa jornada por esse universo fascinante. Na nossa primeira publicação, exploramos o que é a linguística, como a linguagem é processada no cérebro e onde se situa minha pesquisa de mestrado dentro desse campo. Agora, aprofundaremos os estudos sobre pragmática, mais especificamente sobre a Teoria dos Atos de Fala.

E você, já pensou no impacto que a comunicação tem além do significado literal?

O que é Pragmática❓

            De acordo com Pinto (2013), a pragmática pode ser definida como "a ciência do uso linguístico", pois, ao contrário das abordagens que tradicionalmente centralizam a língua como sistema abstrato, essa teoria resgata a dicotomia saussureana entre língua e fala, conferindo considerável protagonismo à segunda, estudando-a pelo viés de sua produção social. Ao considerar a linguagem como um fenômeno dinâmico, a pragmática rompe com uma visão estruturalista rígida e propõe uma análise que prioriza os usos efetivos da linguagem nas interações comunicativas, reconhecendo o papel do sujeito enunciador e o modo como o sentido se constrói a partir da interação entre falante, interlocutor e contexto, ou seja, levando em conta “as condições que governam a utilização da linguagem” (Fiorin; Discini, 2013). 

A VIRADA PRAGMÁTICA 🎯

            A Virada Pragmática surgiu como uma resposta às limitações das abordagens formais da filosofia e da linguística, que viam a linguagem como um reflexo passivo da realidade. Nas décadas de 1960 e 1970, questionou-se a visão de que a linguagem era apenas um sistema neutro. Em vez disso, passou-se a considerar a linguagem como um meio dinâmico e ativo, moldando a percepção e interação social. Para Orlandi (2007) "começam a ter importância teorias que levam em conta tato a relação linguagem/pensamento quando a relação linguagem/sociedade. Se até esse momento, os estudiosos se contentavam em organizar as unidades fonológicas, morfológicas e sintáticas, deixando de lado (ou em suspenso) as questões de significação quando estas não cabiam nos modelos (formais), agora eles começam a dar um lugar bem mais importante para a significação". Esse movimento focou no estudo da linguagem em uso, levando em conta o contexto, a intenção e as interações entre os interlocutores. A Virada Pragmática trouxe uma nova perspectiva, priorizando a dinâmica comunicativa e o papel dos interlocutores na construção do significado, influenciando não só a filosofia da linguagem e a linguística, mas também diversas outras áreas das ciências humanas.          

A LINGUAGEM COMO AÇÃO ➰

A Teoria dos Atos de Fala, inicialmente desenvolvida por J.L. Austin e ampliada por John Searle, é uma das contribuições mais significativas da pragmática, pois propõe uma visão inovadora sobre o uso da linguagem em contextos de comunicação. Austin, em sua obra "Quando dizer é fazer: palavras e ação" (1962;1990), argumentou que, ao falarmos, não estamos apenas transmitindo informações ou fazendo afirmações sobre o mundo, mas também realizando ações. Segundo ele, a linguagem não se limita à função representativa ou descritiva, mas também serve para executar ações sociais. Austin introduziu, assim, o conceito de atos de fala, que são expressões que desempenham um papel ativo na comunicação, como prometer, pedir, ordenar, desculpar-se, entre outros.

Esses atos de fala são divididos em três dimensões fundamentais, segundo Austin:

  1. Ato locucionário: É o ato de enunciação em si. Trata-se do ato de formar uma expressão linguística, seja ela sonora ou escrita. 

  2. Ato illocucionário: Refere-se à intenção comunicativa por trás de uma enunciação. O ato illocucionário é o que o falante faz com as palavras que proferiu, como pedir, ordenar, prometer ou afirmar. O foco aqui está no objetivo comunicativo da expressão.

  3. Ato perlocucionário: Refere-se aos efeitos que a enunciação causa no ouvinte. Por exemplo, o efeito de um pedido pode ser o de fazer com que o ouvinte se sinta obrigado a atender ao pedido ou se sinta sensibilizado. Ou seja, o ato perlocucionário trata do impacto que a fala tem sobre o interlocutor, no nível emocional ou comportamental.

A Teoria dos Atos de Fala, portanto, muda a nossa compreensão da linguagem, ao não a ver como um mero reflexo do mundo, mas como um instrumento ativo de ação. A linguagem, então, não é apenas uma ferramenta para descrever ou representar, mas também uma maneira de agir no mundo, alterando a realidade e as relações sociais.

NA PRÁTICA 👀

Exemplo 1: 

Fonte: https://www.reddit.com/r/brasil/comments/v1ds2y/filme_parasita_2019/?rdt=48660

A imagem apresenta um forte contraste entre duas cenas do filme Parasita (2019), de Bong Joon-ho. Na parte superior, uma mulher rica dentro de um carro de luxo comenta ao telefone: "Hoje o céu está tão azul e sem poluição. A chuva foi uma verdadeira bênção!" Na parte inferior, um homem pobre está submerso em água suja, tentando salvar pertences de sua casa inundada, evidenciando o impacto devastador da mesma chuva que a mulher enaltece.

Ato Locucionário: A mulher profere um enunciado que, na superfície, descreve o estado do tempo e os efeitos da chuva.

Ato Ilocucionário: O ato ilocucionário do enunciado dela sugere uma valorização da chuva como algo positivo, expressando satisfação. Seu discurso contém um tom de despreocupação e privilégio.

Ato Perlocucionário: Para um ouvinte como o homem na parte inferior da imagem (ou para o espectador do filme), o efeito perlocucionário pode ser de revolta, indignação ou frustração diante da desconexão entre a fala dela e a realidade da população mais pobre, que sofreu com a mesma chuva. 

📎OBSERVAÇÃO: Ainda estou aprofundando minhas leituras sobre a Teoria dos Atos de Fala, então, se houver lacunas na análise, elas se devem a esse processo de estudo. No entanto, procurei compreender ao máximo os conceitos de Austin para aplicá-los de forma coerente à imagem. Espero que a análise esteja em um nível satisfatório, mas estou aberta a questionamentos e discussões que possam enriquecer ainda mais essa reflexão.

REFERÊNCIAS: 

AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras em ação. Tradução: Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

FIORIN, José Luiz; DISCINI, Norma. O uso linguístico: a pragmática e o discurso. In: FIORIN, José Luiz (org.). Linguística? Que é isso?. São Paulo: Contexto, 2013. cap. 6, p. 181-203.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 2007.

PINTO, Joana Plaza. Pragmática. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (org.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2021. v. 2, cap. 2, p. 47-68

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